quinta-feira, 11 de abril de 2013

bananada

banana é uma fruta fácil. biscate. se abre todinha. se deixa comer. banana é doce e vai bem com a picância da canela. substantivo feminino e sustância. banana menina, que tem vitamina. é a saia curta da chiquita bacana. banana é vida. come-se verde, come-se frita. amassada, madura, mordida. banana é história.

mexer a bananada é um ato de memória.
já nem sei desde quando, mas parece que foram umas terras griladas, dessas que nosso racismo em geral nos faz esquecer. o trisavô era analfabeto, fazendeiro de café e levou um golpe de um que dizia que seria seu genro. na verdade ele já tinha família e filhos e, letrado, passou os papéis da fazenda que ajudava a administrar todinhos pro seu nome. e o trisavô, daí, pra provar que não tinha autorizado nada? comofaz? os papéis todinhos com a assinatura dele - imagino um X, como o Dumbo. E agora, Joaquim? agora sobram poucas coisas que, vendidas, equivalem a umas terras de ninguém, no vale do ribeira. Banana, sabe? o negócio do futuro. pode confiar. das terras griladas, da opressão sobre as famílias descendentes de escravos e quilombolas que ali moravam (é justo, gente, tem até salário!), uma coisa boa. uma não, várias: bananada, banan frita, boizinho de banana, subir na bananeira, curau de milho fresco, ver os porcos, checar os pés pra ver se pegou doença, festa junina de verdade, pescar lambari no riacho, cachoeira (perigo!), ter medo de lagartixa, assistir ao fantástico domingo na parabólica daquelas que quando vem o comercial fica tudo preto (que não havia programação local pra ser colocada no ar, imagino que não seja o caso hoje). o temido quarto do vô, especialmente depois que ele morreu. um retrato num canto, a cama dura que só ela. umas aranhas aqui e ali. a cadeira de arame na varanda e os carros passando, rumo ao litoral. é Iguape ali, já? depois voltar à escola. e comer, lembrando e lambendo, pão com a bananada da mãe crescida em meio ao bananal. esse eu não dividia com os colegas. nem que me pagassem.

mexer a bananada é um ato de paciência.
- mãe, já tá pronta? - e assim se aprende a cozinhar. olha aqui e ali. mede cheirando, tocando, vendo. se não der certo de primeira, ajusta. é só pensar na função de cada ingrediente. a mãe ensina a lógica da cozinha. o pai faz torta de palmito. a vó liga pro disk-pizza porque já não agüenta isso de cozinhar. a outra vó, causando ciúmes na primeira, esbanja manjares e banquetes e quitutes e dotes culinários. é dela a bananada; é dela o curau de milho; é dela o doce de abóbora no cal. a comida tem seu tempo, e é preciso respeitar. a bananada só pega gosto quando bem cozidinha. o curau de milho é preparado em tantas etapas. o doce de abóbora precisa fazer casquinha mergulhado no cal. não tem jeito. a pressa é inimiga da vida no sítio.

mexer a bananada é um ato de amor.
em dias como esses, em que só uma bananada salva. provar devagarinho e tatear na língua a mudança de gosto de textura. o fogo basta, sozinho (e mais um punhado de determinação e perseverança do cozinheiro) pra que a banana vire doce. é cheinha de açúcar, ela. o fogo é mesmo um troço mágico. bananada tem gosto de amor. amor daquele quentinho. amor de quem fica mexendo a panela, e amor da pequena eu, espiando em volta. amor de quem deixa as receitas escritas. amor de saudades tantas. bananada é vó, é tia, prima, é mãe e irmã. bananada é a finitude, a morte que vem, a morte que vai. bananada é vida denaturada, fervidinha e derretida no fogão. é lenta, feito eu. cheira bem. estamos todas ali, em volta da colher de pau, raspando o tacho, rabiscando em papéis, esperando o dia de chuva passar. além da bananada, tem os bolinhos recheados da matéria-prima. eu e as minhas primas, entre as bonecas e instrumentos musicais, na hora do lanche. casa de vó. casa de vô. isso tudo é o sabor da bananada, derretida e queimada, que mexo vigorosamente sem me distrair. dizem comfort food, por aí, mas eu sei: bananada é comfort day.

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