quarta-feira, 1 de maio de 2013

anedotas de viagem, parte um

Na primeira vez em que saí do país, aos 18 anos, fui à Tunísia participar de um fórum mundial de jovens escoteiros (quem sabe um dia eu conto mais sobre minha experiência no movimento escoteiro; ainda não é a hora). Eu, que sempre tive vontade de conhecer países não-ocidentais (incluindo aí o próprio Brasil e diversos destinos latinoamericanos, asiáticos, etc), tive uma experiência incrível.

O cheiro acre de xixi de camelo nas ruas, a escassez de água, a dificuldade imensa de comunicação (na época eu nem pensava em começar a estudar francês e, aliás, foi nessa viagem uma das primeiras vezes em que isso passou pela minha cabeça). Nada era suficiente para minar meu encantamento com uma sociedade tão diferente - e tão parecida - com a minha própria. Eu nem era socióloga ainda, havia cursado apenas um semestre da graduação, mas sentia que era disso mesmo que eu gostava: de gente. O que quer que eu fosse fazer na vida teria que incluir a diversidade incrível de seres humanos, e uma série de hipóteses e investigações sobre isso. Mal sabia eu que estava no caminho certo - coisa que só descobri alguns anos mais tarde.

Viajávamos para o interior, a visitar umas ruínas de castelos do império romano. Havíamos sido avisados que a água seria muito escassa para banho, e nos preparamos psicologicamente. Um banho a cada três dias, num calor de quase 50ºC, num território cercado de deserto, não é para os fracos. Eu, com a força dessa curiosidade toda e dessa paixão maluca por gente, sobrevivi. Me lembro, nessa viagenzinha dentro da viagem, de três momentos importantes, que me marcaram para o resto da vida. Os reconstruo aqui misturados à ficção, que toda narrativa de memória é tambem ficcional. Conto como lembro, sabendo que o que lembro não é necessariamente o que aconteceu. Em ordem cronológica.

* * *

parte um, a cabra
assim que o ônibus saiu, não me lembro que horas eram. posso inventar aqui que foi depois do almoço, mas a lembrança do calor engana no deserto. a estradinha estreita, cercada de areia e casinhas que pareciam ter existido ali desde o começo do mundo. toda viagem no espaço é também uma viagem no tempo. o ônibus quebrou. naquela outra dimensão, do outro lado da estrada, uma mulher olhava, apoiada no batente da porta estreita. o lado de fora era tão claro, que o lado de dentro ficava todo escuro a nós, que olhávamos de fora.

rodeada por crianças, observavam um senhor de idade e um jovem adulto. um deles - não me lembro quem - puxava uma cabra (devia ser uma cabra) pelo pescoço, com uma corda. o outro tentava desempacar o animal empurrando-o por trás. ela se recusava a andar. percebendo que seu destino era o matadouro, abandonou o próprio corpo no chão. corpo mole, diríamos aqui. mas não só. parecia que a cabra não queria mesmo viver e simplesmente não se daria o trabalho de caminhar até a morte. pensam que cabras são idiotas?

os homens então chamaram alguns vizinhos que observavam o drama todo. foi preciso uns três ou quatro homens para carregar a cabra, esperneando, até o matadouro. o ônibus foi consertado. não vi mais a cabra, nem os homens.


parte dois, o violino
eram ruínas, como eu disse, do império romano. um palácio enorme, ou uma casa de algum nobre de algum tipo que minha péssima memória das aulas de história antiga no ensino fundamental não me deixa recordar. dessa vez tenho certeza: era de tarde. o calor era grande, ainda, mas já sentíamos o vento começando a esfriar. quem já esteve em clima desértico sabe, é incofundível. fica muito frio à noite. eu, que não era besta, levei um casaco e me enfiei nele assim que deu.

me perdi nos desenhos. o chão dos palacetes era todinho desenhado. os desenhos contavam histórias e fiquei lá, lendo. quando vi, estava quase sozinha. um de nossos guias tunisianos disse que o jantar estava servido. já que não sou besta e que estava com fome, olhei aquela coisa linda uma última vez, me despedi prometendo um dia voltar, quem sabe, e segui o guia até uma parte mais alta do morro.

encontrei o resto do grupo. entramos numa espécie de parte ainda conservada do palacete. as paredes mais antigas que vi até hoje. toquei pra ter certeza de que eram de verdade, de que eu não estava sonhando e de que não era um truque cenográfico barato pra enganar turistas. não era. era parede mesmo. antiquíssima, preservada, em pé. ah, humanidade, meu amor por ti não tem fim. (antes que meu lado poeta encubra meu lado socióloga, isso aí é durkheim gente: a continuidade da sociedade apesar da finitude dos indivíduos, que coisa linda)

caminhamos por um corredor estreito.
comecei a ouvir um violino.
violino, gente, um violino.

adentramos o salão.
o salão não tinha parede no fundo. a parede devia ter-se ido há muito tempo. como foram-se as paredes das casas com desenhos no chão. numa cadeira sobre um palco pequeno, uma mulher, sozinha, de cabelos escuros soltos contrastava com o sol laranja que se punha exatamente no fundo da sala sem fundo. um dos sóis mais alaranjados que já vi acordada (qualquer dia conto dos meus sonhos na China e na Birmânia, aí sim vocês saberão o que é luz cor-de-laranja de verdade). todos se calaram imediatamente. quando um violino toca, é preciso calar.

no centro do salão, uma mesa muito comprida. muito comprida mesmo. sobre ela, dezenas de recipientes prateados e dourados repletos de mel (tantos tipos quanto eu podia imaginar), azeite, potinhos com azeitonas, halawa (doce de gergelim, coisa mais deliciosa desse mundo), tahine, e diferentes pães que já havíamos provado nos outros dias da viagem. depois dos aplausos à violinista, juntamo-nos todos e todas ao redor da mesa. nos despedimos do sol.

não comi quase nada, e naquela noite sonhei com as ruínas.



parte três, palestina
essa anedota é mais curtinha. na mesma viagenzinha ao interior da tunísia, fomos brindados com uma noite de apresentações culturais. era uma espécie de teatro de arena a céu aberto, com arquibancadas. sentei bem na frente. me misturei com os grupos de crianças e adolescentes tunisianos que se preparavam pra nos mostrar algumas tradições de sua cultura. não me lembro exatamente do contexto. acho que eram escoteiros, como nós, ou talvez alunos das escolas locais, ou quem sabe beneficiários de algum programa social. não sei. estavam lá e, em grupos, se apresentavam com danças, peças de teatro, e assim por diante. até que.

até que, a certa hora, um homem enuncou o contexto da próxima cena.

disse ele, que os meninos representariam uma das batalhas mais importantes para a história deles. uma batalha que ocorreu entre palestinos e israelenses. história recente. os palestinos resistiam e defendiam uma cidade. a cena era uma espécie de dança. não havia fala. crianças de sete, oito anos de idade, fingiam ter metralhadoras em suas pequenas mãos. balançavam orgulhosamente uma bandeira palestina. usavam keffyehs e comemoravam.

estávamos, então, numa das cidades que mais havia acolhido refugiados palestinos depois da criação do estado de israel. "um dia voltaremos pra casa", disse o apresentador.


segunda-feira, 15 de abril de 2013

a lousa

eu achei mesmo que logo todo mundo a usar lousa digital. que as escolas, alunos, pais professores iam ver a lousa cada vez mais como um apoio visual à explicação, e menos como uma referência concreta do conteúdo da aula. achava isso porque percebo que cada pessoa aprende de um jeito diferente. cada um interpreta o que o professor diz - e o que os colegas perguntam - de uma maneira. cada um faz um caminho lógico e um raciocínio pra compreender o conteúdo da matéria, e esse caminho tem a ver com a própria subjetividade e com as experiências de quem assiste a aula. bom, mas essa sou eu.

daí que meus alunos disseram que minha lousa é ruim.
e, olha, é mesmo.

é ruim, principalmente pro objetivo deles. já que minha disciplina não tem livro didático nem apostila, eu compreendo perfeitamente que busquem na lousa uma referência. e, como referência, sejamos sinceros, minha lousa é uma bela droga. tenho sérias dificuldades em fazer esquemas explicativos que não dependam de longos textos. em parte porque acho que eles não funcionam, não explicam nada, e não ajudam meus alunos a responderem o tipo de questão que eu elaboro para suas provas, de cunho mais analítico. e aí, pra consultar como referência rápida da matéria, minha lousa de fato não presta.

isso não quer dizer que eu não possa aprender a fazer isso. talvez essa seja uma daquelas coisas muito úteis que eu estou esperando aprender com meus alunos. tem várias e antes de começar a dar aulas nessa escola eu até fiz uma listinha mental. quem sabe um dia eu escrevo melhor sobre isso. a lousa, então, acaba de ser incluída nessa listinha.

acho que vocês terão que me dar uma aula de lousa. vamos lá, molecada: o que é, afinal, uma "lousa boa"? como seria a "lousa ideal" de sociologia?

;)


quinta-feira, 11 de abril de 2013

bananada

banana é uma fruta fácil. biscate. se abre todinha. se deixa comer. banana é doce e vai bem com a picância da canela. substantivo feminino e sustância. banana menina, que tem vitamina. é a saia curta da chiquita bacana. banana é vida. come-se verde, come-se frita. amassada, madura, mordida. banana é história.

mexer a bananada é um ato de memória.
já nem sei desde quando, mas parece que foram umas terras griladas, dessas que nosso racismo em geral nos faz esquecer. o trisavô era analfabeto, fazendeiro de café e levou um golpe de um que dizia que seria seu genro. na verdade ele já tinha família e filhos e, letrado, passou os papéis da fazenda que ajudava a administrar todinhos pro seu nome. e o trisavô, daí, pra provar que não tinha autorizado nada? comofaz? os papéis todinhos com a assinatura dele - imagino um X, como o Dumbo. E agora, Joaquim? agora sobram poucas coisas que, vendidas, equivalem a umas terras de ninguém, no vale do ribeira. Banana, sabe? o negócio do futuro. pode confiar. das terras griladas, da opressão sobre as famílias descendentes de escravos e quilombolas que ali moravam (é justo, gente, tem até salário!), uma coisa boa. uma não, várias: bananada, banan frita, boizinho de banana, subir na bananeira, curau de milho fresco, ver os porcos, checar os pés pra ver se pegou doença, festa junina de verdade, pescar lambari no riacho, cachoeira (perigo!), ter medo de lagartixa, assistir ao fantástico domingo na parabólica daquelas que quando vem o comercial fica tudo preto (que não havia programação local pra ser colocada no ar, imagino que não seja o caso hoje). o temido quarto do vô, especialmente depois que ele morreu. um retrato num canto, a cama dura que só ela. umas aranhas aqui e ali. a cadeira de arame na varanda e os carros passando, rumo ao litoral. é Iguape ali, já? depois voltar à escola. e comer, lembrando e lambendo, pão com a bananada da mãe crescida em meio ao bananal. esse eu não dividia com os colegas. nem que me pagassem.

mexer a bananada é um ato de paciência.
- mãe, já tá pronta? - e assim se aprende a cozinhar. olha aqui e ali. mede cheirando, tocando, vendo. se não der certo de primeira, ajusta. é só pensar na função de cada ingrediente. a mãe ensina a lógica da cozinha. o pai faz torta de palmito. a vó liga pro disk-pizza porque já não agüenta isso de cozinhar. a outra vó, causando ciúmes na primeira, esbanja manjares e banquetes e quitutes e dotes culinários. é dela a bananada; é dela o curau de milho; é dela o doce de abóbora no cal. a comida tem seu tempo, e é preciso respeitar. a bananada só pega gosto quando bem cozidinha. o curau de milho é preparado em tantas etapas. o doce de abóbora precisa fazer casquinha mergulhado no cal. não tem jeito. a pressa é inimiga da vida no sítio.

mexer a bananada é um ato de amor.
em dias como esses, em que só uma bananada salva. provar devagarinho e tatear na língua a mudança de gosto de textura. o fogo basta, sozinho (e mais um punhado de determinação e perseverança do cozinheiro) pra que a banana vire doce. é cheinha de açúcar, ela. o fogo é mesmo um troço mágico. bananada tem gosto de amor. amor daquele quentinho. amor de quem fica mexendo a panela, e amor da pequena eu, espiando em volta. amor de quem deixa as receitas escritas. amor de saudades tantas. bananada é vó, é tia, prima, é mãe e irmã. bananada é a finitude, a morte que vem, a morte que vai. bananada é vida denaturada, fervidinha e derretida no fogão. é lenta, feito eu. cheira bem. estamos todas ali, em volta da colher de pau, raspando o tacho, rabiscando em papéis, esperando o dia de chuva passar. além da bananada, tem os bolinhos recheados da matéria-prima. eu e as minhas primas, entre as bonecas e instrumentos musicais, na hora do lanche. casa de vó. casa de vô. isso tudo é o sabor da bananada, derretida e queimada, que mexo vigorosamente sem me distrair. dizem comfort food, por aí, mas eu sei: bananada é comfort day.

por que corremos? (2)

Eis que, sem perceber, estávamos os três ali, no meio de um bar – onde mais? – falando de morte, de sobrevida, falando de dor. Falávamos daquilo que era íntimo, privado. Falávamos do que sequer se fala na intimidade, muitas vezes. Na mesa do bar, enquanto o resto do mundo assistia o Wanderlei Silva ganhar a luta que talvez tivesse sido a última de sua carreira. Trinta e quase-quarenta anos, Wanderlei, é hora de se aposentar, tu não sabia? Era o soco da tevê, do punho do Wanderlei, ali no meu estômago. A mãe dela estava morrendo. A mãe dele morrera havia alguns poucos anos. Estávamos juntos e juntos ficaríamos. Somos jovens. Por enquanto. Como nossos pais. Vivemos. Não estava escrito que eles morreriam assim, cedo. Uma vez li em algum lugar da psicologia (era Freud?) que o nosso inconsciente se regozija com a morte alheia. Nos dá a sensação de estarmos mais vivos. Um aproveitamento, uma felicidade de viver. Agradecemos que não somos nós morrendo. Mas dessa vez os intelectuais estavam errados, que quando morrem nossos pais, morremos nós um pouco também. A vida é se ir morrendo, não tinha um poeta que dizia isso? As mortes de outros participam das nossas, quase sempre devagar. Na iminência da morte, nos preparamos, fazemos planos. Ali no bar, ela pedia nosso apoio, nosso abraço. Pedia espaço e casa e amor e acolhimento, quando a hora chegasse. Estaríamos lá para ela, claro. Fico feliz de poder estar. Já tínhamos perdido um amigo em comum e a mãe desse que compartilhava a cerveja. 

É estranho quando morrem os pais de amigos nossos. Podiam ser os meus. Podia ser minha mãe. Sem falar na responsabilidade dos pais de amigos pela existência desses amigos na terra, e em nossas vidas – às quais sou eternamente grata. Pais de amigos nos acolhem, como amigos. Nos vêem crescer. Fazem companhia. Dividem preocupação. Criam limites e barreiras e outras vezes ajudam a superá-las. Dizem coisas bonitas. Parecem quase sempre mais legais que nossos pais; parecem quase sempre mais irritantes que nossos pais. As regras são eles que fazem, e muitas vezes são outras.

Gostava, quando era pequena, de ir dormir na casa de amigos. Era praticamente uma experiência antropológica; uma incursão no desconhecido. Na casa de uma amiguinha, tínhamos que tirar os sapatos para entrar sem fazer muita sujeira. Na casa da outra, só comida macrobiótica e nada de tevê. Na outra, um lanche servido pontualmente no mesmo horário todos os dias, e uma coleção de fitas de vídeo cassete pra passar as tardes. A escola que eu frequentava tinha até uma atividade de sala que era uma visita à casa de cada colega. Íamos a turma toda, num dia agendado. Ver casas diferentes. Compartilhar a intimidade, perguntar sobre animais de estimação, tomar lanche e voltar pra casa pensando como seríamos nós, se viéssemos daquela casa, daquela família.

Uma antropóloga disse que a casa é feita das relações entre as pessoas, e que são essas relações, o parentesco, que dão significado aos objetos e à materialidade que ali está. Pois minha casa é, então, em tanto lugar.

Minha casa era ali, naquele bar.

* * *


This is how it works
It feels a little worse
Than when we drove our hearse
Right through that screaming crowd
While laughing up a storm
Until we were just bone
Until it got so warm
That none of us could sleep
And all the styrofoam
Began to melt away
We tried to find some worms
To aid in the decay
But none of them were home
Inside their catacomb
A million ancient bees
Began to sting our knees
While we were on our knees
Praying that disease
Would leave the ones we love
And never come again

On the radio
We heard November Rain
That solo's really long
But it's a pretty song
We listened to it twice
'Cause the DJ was asleep

This is how it works
You're young until you're not
You love until you don't
You try until you can't
You laugh until you cry
You cry until you laugh
And everyone must breathe
Until their dying breath

No, this is how it works
You peer inside yourself
You take the things you like
And try to love the things you took
And then you take that love you made
And stick it into some
Someone else's heart
Pumping someone else's blood
And walking arm in arm
You hope it don't get harmed
But even if it does
You'll just do it all again

And on the radio
You hear November Rain
That solo's awful long
But it's a good refrain
You listen to it twice
'Cause the DJ is asleep
On the radio
(oh oh oh)
On the radio
On the radio - uh oh
On the radio - uh oh
On the radio - uh oh
On the radio



* * *

Para Joana,
e para dois Pedros.

por que corremos? (1)

Jagger e eu seríamos um bom dueto. Somos, aliás. Ele cantando que está fora de controle, eu fora de controle há tempos, do lado de cá do ipod. Five. Minutes. Zero. Point. Five. Kilometers. Average. Pace. Nine. Minutes. Per. Kilometer. Parece um filme de ficção científica: o robô mede minhas distâncias, avalia meu corpo, me diz quanto ainda preciso correr. Now I’m out. Oh, out. Of control. É como se o mundo ouvisse a canção. Uma senhora brinca com uma criança no banco da praça, ao lado de uma bicicleta. Um velho barrigudo e magro colhe amoras do pé, a camisa xadrez surrada toda aberta. Em público. Um pai de óculos escuros observa o primogênito nas balanças e vejo os bracinhos do bebê chacoalhando fora do carrinho. A luz é amarela demais. A luz aqui é sempre amarela demais. Perto da rua, em outro banco. Esses bancos de cimento, antigos, sabe? Um homem de branco e estetoscópio está deitado, de olhos fechados. Não há hospitais. Talvez seja dentista. De estetoscópio? Curioso. Pode ter recebido uma notícia ruim. Pode ter brigado com a esposa. Pode ter sido demitido. Vai saber. Pode só estar com sono. Promoção dia da mulher, ai meu deus, que irritante, escova de photon, assim, com ph. Acho simpático. Passo pelo salão de beleza, vou atrás de uma água de coco, enquanto meu inseparável Jagger avisa que não quer ser santo, coisíssima nenhuma. Decido que preciso escrever. Decido que será um livro. Decido que chega dessa dor. Decido que não sou eu que decido nada. Volto correndo pra casa, com cuidado pra não amassar os caquis: a quitanda é no caminho. Gosto quando é época de caqui. Amo caqui.

*  *  *

I was out in the city 
I was out in the rain 
I was feeling down hearted 
I was drinking again 

I was standing by the bridges 
Where the dark water flows 
I was talking to a stranger 
About times long ago 

I was young 
I was foolish 
I was angry 
I was vain 
I was charming 
I was lucky 
Tell me how have I changed 

Now I'm out 
Oh out of control 
Now I'm out 
Oh out of control 
Oh help me now 

And the girls in the doorway 
And the boys in the game 
And the drunks and the homeless 
They all know me 

And the police on the corner 
Give a nod and a wave 
As they point me 
To my final destination

quarta-feira, 3 de abril de 2013

hay

daí que não se nasce mulher.
daí que pode-se tornar
mas recentemente descobri
também pode ser que não

é dessas descobertas que rompem com o senso-comum; é dessas descobertas que reorganizam em minha cabeça todas as possibilidades e elocubrações sobre o que seria, afinal, uma sociedade mais justa. é dessas descobertas que me botam em perspectiva, eu e minhas violências sofridas e praticadas (que viver é uma violência). descubro um lugar de opressor. eu, ora essa, que me julgava tão oprimida, vejo que minha existência oprime tanta gente. e não há nada que eu possa fazer sobre isso, exceto lutar para que deixe de ser vedade.

descobrir o lugar de opressor gera empatia. e empatia, se cuidada, às vezes gera amizade. e hoje celebro uma amizade dessas. uma dessas pessoas que mudou minha vida, que foi um marco na minha forma de pensar, agir, entender-me e os outros e o mundo.

mas aniversário é celebrar a existência.
e se eu, com minha existência, oprimo;
ela, com a sua, liberta.

liberta quem, como eu, precisou procurar uma nova posição e uma nova abordagem pra estar no mundo e construí-lo melhor; liberta quem, como ela, esteve desde sempre na incômoda e posição invisível de recusar um dos sistemas mais opressores e violentos que permeia nossas vidas - o gênero - e buscar transformá-lo no dia-a-dia.

daí que essa liberdade, Hay, é um aprendizado. eu, que sou louca por aprendizado, celebro hoje com você essa oportunidade. de quebra, a vida ainda me deu uma amiga, dessas com quem posso passar horas e horas conversando, decifrando, quebrando a cabeça, me frustrando, e assim por diante.

feliz aniversário, querida. hoje é dia de celebrar essa existência revolucionária que é você no mundo.

sábado, 30 de março de 2013

ceviche

ele, o ceviche. nhé.

um belo dia, fez-se o ceviche.
(sim, digo que "fez-se" porque, no Brasil, pelo menos na ~capital gastronômica paulicéia global~ nunca havia se falado muito nele.)

passou a ser chamado de sashimi peruano; considerado uma opção boa e saudável pra comer peixe cru; uma alternativa ao restaurante japonês; etecétera e tal. um frisson, esse negócio de ceviche. ceviche pra cá, ceviche pra lá.

eu nunca tinha tido a oportunidade de comer um, mas achei que gostaria muito. afinal, pessoas e mais pessoas cujo gosto pra comida é confiabilíssimo me disseram que o trem era bão. se organizavam atrás do trio elétrico (vamos comer um ceviche? onde aqui tem um bom ceviche? moço, tem ceviche? puxa, pena que não tem ceviche!). e, como só não vai quem já morreu, lá fui eu.

ontem o marido, noob em ceviche como eu, propôs de, enfim, experimentarmos esse novo manjar dos deuses. no fim do dia fomos a um restaurante que tem as melhores comidas mexicanas que já provamos na cidade de Campinas, e pedimos um ceviche (que, ok, não é mexicano, mas confiamos demais na qualidade gastronômica do tal restaurante).

eis que vem o ceviche! habemus cevichem!

então eu dou uma olhada no prato. provo um pedaço do peixe com o molho.

nhé. não me convenceu.
mas como não me dou por vencida, eu sabia que tinha alguma coisa ali que eu tinha que curtir. tentei achar. 
e nada.

fiquei com a impressão de que é um prato de se comer em casa. é como ir a um restaurante pra comer picadinho. ou spaghetti ao sugo. se não for muito barato, num dia de muita pressa e com poucas opções, até que vale a pena.

e qual a diferença, então, pro sashimi, que também é peixe cru e tal, com menos preparação do que o ceviche? - Bom, não sei vocês, mas eu não saio de casa só pra comer sashimi. Seria mais fácil aprender a cortar o peixe, ralar gengibre, comprar wasabi e um bom shoyu. comer um prato muito simples em restaurante só vale a pena, pra mim, se for muito, mas muito bem feito, com ingredientes absurdamente incríveis, que valham o preço (que será caro).

eu sei, sou uma herege do ceviche. pode ser ainda, claro, que tenha sido um problema daquele ceviche específico. por isso estou coletando dicas de bons ceviches pra se comer em Sampa ou em Campinas. minha curiosidade gastronômica está em polvorosa, tentando desvendar o tal do ceviche.

por enquanto, eu sigo achando que era melhor ter pedido fajitas de filé mignon.

sexta-feira, 29 de março de 2013

a morte, surda, caminha ao meu lado

era um peixinho, Bining, não me lembro de que raça ou tipo. vivia numa garrafa d'água bem bonita, ao lado da tevê da sala. por algum motivo desses que não sabemos quando crianças, morreu. eu devia ter uns oito ou nove anos de idade. a imagem do peixe boiando, já em algum estágio de decomposição, naquela garrafa, me assombrava. me assombrou durante algum tempo. era uma mistura de ânsia de vômito, culpa, nojo.

minha mãe leu pra mim, na ocasião, "A Mulher Que Matou os Peixes", da Clarice. um dos livros de que mais gosto, até hoje.

um ano antes disso meu avô morrera. curioso é que minha reação foi mais forte pelo peixe, do que pelo avô. acho que o avô não era culpa minha; o peixe, de alguma maneira, era. minha irresponsabilidade custou a vida do Bining, ou pelo menos era isso que eu achava. o avô não era tão próximo, e eu era bem pequena. o velório do meu avô era um evento a ser comentado na roda de conversa, segunda-feira, na escola, e não ia muito além. o corpo humano preparado para o velório também é mais limpo, arrumado; o peixe já estava em decomposição. credo.

eu tinha um professora que perguntava "está pensando na morte da bezerra?" quando alguém não prestava muita atenção na aula. fui à escola, depois do enterro, querendo que ela me fizesse a pergunta, para responder que não, que estava pensando na morte do meu avô. e não estava. me distraí e, sem querer, prestei atenção demais na aula. droga. genética cê-dê-éfe é foda.

depois do meu avô, depois do peixe, fiquei alguns anos sem trombar com ela.

mas sabem que a morte é como a vida, e quanto mais a gente vive, mais a gente tromba com ela; aquela época em que precisamos lidar com a morte cada vez mais - porque deixamos de ser tão protegidos, e porque as pessoas que conhecemos só fazem envelhecer (e viver é se ir morrendo, não é?) - é também quando as crianças de nossa idade passam a ter filhos, e o mundo vai se repovoando de gente pra cada um que se vai.

parece bonito. e é. mas é triste também. dá saudade.

meu terceiro encontro com a morte foi dos mais dolorosos. meu melhor amigo, no segundo ano do ensino médio, num acidente imbecil em Paraty, dirigindo um carro. engraçado. doía mais antes. ano quem vem faz dez anos - dez, gente -. eu entro em sala de aula e percebo a discrepância, o degrau: nosso grupo de amigos cresceu, começou carreira, tem filhos, trabalho, prestação de casa, e ele ainda é o menino que não pôde deixar de ser. quase não dá mais pra ter saudades, porque ele não pôde fazer uma vida. ficou preso em outra época, em outra década, num universo paralelo chamado adolescência.

alguns anos depois eu já não precisava frequentar a escola, aquela escola onde ele pertencia, onde a carteira vazia me lembrava. era outra a escola agora, de gente grande, em outra cidade. minha vida era outra. mas nenhuma vida escapa à morte, e minha avó descobriu um câncer. poucos anos depois, o câncer se espalhou, não teve mais jeito, e minha avó deixou de existir em corpo, pra existir na memória. ou, como disse o raul seixas, nos seus filhos - e, no caso, netos, como eu.

desde que minha avó morreu, há seis anos, foi uma sequência razoável de encontros entre ela, a morte, e eu. ela mandou, quase sempre, nessas ocasiões, um mensageiro. esse horror chamado câncer. foi a mãe de um amigo. câncer. a mãe de outro. câncer. a avó do marido. minha outra avó. só no último mês, ela teimou em levar a mãe de uma amiga - mais câncer -, uma tia querida, e um professor.

não é uma mensagem? um sinal? que dizem os espíritas? os espíritos? por quê? por quê? por quê?

e não interessa, a bem da verdade. saber o por quê da morte não a torna menos morte; não torna a vida mais vida. essa oposição besta que fazemos ingênuos, como se duas pontas opostas de um barbante, unidas, não formassem um círculo.

talvez por isso eu tenha escolhido ser cientista, ser professora e escrever de todas as maneiras possíveis: tenho medo de não ser imortal. depois do meu avô e do meu peixe, encontrei uma frase do Dalai Lama, que talvez tenha mudado minha vida e moldado muitas de minhas escolhas. uma frase, vejam só. que coisa boba.

"compartilhar conhecimento é alcançar a imortalidade"

então, eis que eu, com medo de desaparecer, deixo todos os rastros que posso. este que vocês lêem, inclusive.

* * *



Eu sei que determinada rua que eu já passei
Não tornará a ouvir o som dos meus passos.
Tem uma revista que eu guardo há muitos anos
E que nunca mais eu vou abrir.
Cada vez que eu me despeço de uma pessoa
Pode ser que essa pessoa esteja me vendo pela última vez
A morte, surda, caminha ao meu lado
E eu não sei em que esquina ela vai me beijar

Com que rosto ela virá?
Será que ela vai deixar eu acabar o que eu tenho que fazer?
Ou será que ela vai me pegar no meio do copo de uísque?
Na música que eu deixei para compor amanhã?
Será que ela vai esperar eu apagar o cigarro no cinzeiro?
Virá antes de eu encontrar a mulher, a mulher que me foi destinada,
E que está em algum lugar me esperando
Embora eu ainda não a conheça?

Vou te encontrar vestida de cetim,
Pois em qualquer lugar esperas só por mim
E no teu beijo provar o gosto estranho
Que eu quero e não desejo,mas tenho que encontrar
Vem, mas demore a chegar.
Eu te detesto e amo morte, morte, morte
Que talvez seja o segredo desta vida
Morte, morte, morte que talvez seja o segredo desta vida

Qual será a forma da minha morte?
Uma das tantas coisas que eu não escolhi na vida.
Existem tantas... Um acidente de carro.
O coração que se recusa abater no próximo minuto,
A anestesia mal aplicada,
A vida mal vivida, a ferida mal curada, a dor já envelhecida
O câncer já espalhado e ainda escondido, ou até, quem sabe,
Um escorregão idiota, num dia de sol, a cabeça no meio-fio...

Oh morte, tu que és tão forte,
Que matas o gato, o rato e o homem.
Vista-se com a tua mais bela roupa quando vieres me buscar
Que meu corpo seja cremado e que minhas cinzas alimentem a erva
E que a erva alimente outro homem como eu
Porque eu continuarei neste homem,
Nos meus filhos, na palavra rude
Que eu disse para alguém que não gostava
E até no uísque que eu não terminei de beber aquela noite...

Vou te encontrar vestida de cetim,
Pois em qualquer lugar esperas só por mim
E no teu beijo provar o gosto estranho que eu quero e não desejo,mas tenho que encontrar
Vem, mas demore a chegar.
Eu te detesto e amo morte, morte, morte
Que talvez seja o segredo desta vida
Morte, morte, morte que talvez seja o segredo desta vida

sábado, 16 de março de 2013

quem você quer ser?

me lembro de ser adolescente; me lembro duas vezes por semana, às vezes três, quando entro em sala de aula. cada sala tem mais ou menos sessenta carinhas, rostinhos, curiosos, cansados, desajustados, esperando alguma coisa de mim. esperando o quê, exatamente, eu não sei. achei que sabia, mas agora não sei.

enquanto eu falo de marx - ah, marx, que nos deixa tão fascinados na adolescência, sem nem sabermos muito bem o por quê -, ou explico que era contra as cotas raciais quando estudante branca de ensino médio privado na capital-ó-grandiosa-paulicéia-do-estado e que mudei de opinião por meio da sociologia; enquanto falo da ciência e mostro que a sociologia serve (e como serve) até pra quem quer ser engenheiro; enquanto isso, enquanto aquilo;

eu lembro.

lembro que o mundo era só possibilidade, todinho ele. lembro que ainda é, na verdade, só que eu encontrei as possibilidades que eu queria pra mim e decidi, deliberadamente, abandonar as demais. ao menos por enquanto.

lembro de admirar os modernistas, tanto, tanto. lembro de, no início da graduação, achar massa a ideia de conviver com artistas. quem sabe eu mesma poderia ser escritora? o que seria de nós, afinal?

é gostoso agora, anos mais tarde, me descobrir assim; entre amigos e amigas que escrevem, que lidam com arte, com estética, com pensamento, com texto. e descobrir a beleza daqueles que lidam com outras coisas: arquitetura, engenharia, códigos de programação, operação de computadores do tamanho de uma sala.

lembro, olhando meus alunos, que as possibilidades que eu achava tantas não eram nem a quarta parte do que viriam a ser. o mundo é mesmo um troço incrível.

terça-feira, 12 de março de 2013

a casa abandonada

era uma casa, muito engraçada; só que não.

sabem quando a vida chama loucamente? quando a urgência é tanta pra tudo que a gente esquece das urgências urgentes de antes? pois sim. foi isso que me aconteceu. aconteceu a preguiça de montar um móvel todinho do zero, de novo, porque era o único tempinho que eu teria livre, nos últimos dias dos últimos meses. a furadeira que teve que esperar mais um pouquinho. mas o que era, afinal, mais urgente que as urgências?

era a vida. e a morte.

era o trabalho; sempre ele.

agora eu espero ansiosamente o final de semana, quando provavelmente os planos de casa entram nos eixos. prateleiras, instrumentos musicais pendurados nas paredes, quem sabe até quadros num futuro próximo. quem sabe.

por enquanto sigo na agonia de entregar tudo, de não ter férias.
ah, que eu ando precisando.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

mobília, pra que te quero?


Então junto com a reforma orientada à boa convivência felina, nós decidimos fazer pequenos ajustes na casa. Serei sincera: já moramos aqui há dois anos (desde Janeiro de 2011) mas até agora nossa casa ainda tinha uma certa cara de república. Explico.

Tanto Alê (marido) quanto eu já morávamos sozinhos quando casamos. Ambos tínhamos alguns móveis, utensílios, eletrodomésticos, e muita coisa pessoal, entre livros, cadernos, documentos, agendas, CDs, DVDs, instrumentos musicias, e por aí vamos. Ao contrário do que fazem muitos casais, nós nos casamos no momento mais instável de nossas vidas até agora. O Alê estava saindo de um emprego sem saber se seria contratado em outro. Eu estava no meio do mestrado sem saber se teria bolsa e se, caso não tivesse, conseguiria algum trabalho e qual seria ele. Uma confusão.

Disso decorre que nossa perspectiva de ficar nessa casa era incerta. Não sabíamos se mudaríamos pra São Paulo, por exemplo, em algum momento daquele ano, no ano seguinte... Ou se ficaríamos por Campinas e, caso ficássemos, se o bairro onde moramos continuaria sendo uma boa opção em termos de rotina, recursos, preço do aluguel, etc. Quer dizer, não tínhamos muita previsão de nada.

No final de 2012, porém, tudo mudou de figura. Profissionalmente ambos nos encontramos (viva!), e descolamos oportunidades suficientemente estáveis. Isso se confirmou no início de 2013. Foi então que partimos para os planos com a nossa casa: no momento, ela é a melhor opção possível em termos de localização, custo-benefício, etc. O problema eram os bichanos e o acesso deles à rua, como expliquei aqui. Investimos um pouco para resolver isso e, pronto, agora escolhemos de fato ficar por aqui.

Bom, como escolhemos ficar por aqui, percebemos que algumas coisas teriam que mudar. Móveis herdados de repúblicas, por exemplo, precisavam dar lugar a coisas mais ajeitadinhas. O território dos gatos teria de crescer verticalmente. Decidimos trocar o filtro de barro por um gelador elétrico de água mineral, porque tomamos realmente muita água (os dois trabalhamos boa parte da semana em casa). Decidimos pedir para a faxineira vir apenas a cada 15 dias, em vez de semanalmente, ajeitando uma nova divisão de tarefas que fosse possível para o nosso dia-a-dia. Tantas mudanças! :)

A única coisa que eu faria diferente, talvez, teria sido comprar móveis nas lojas físicas em vez de comprá-los online. O problema não é ver o móvel ou não, já que adquirimos recentemente nossa primeira trena (coisa de adulto, hein?). O problema foi que a compra online não inclui serviço de montagem. E, olha, a última vez que eu lembro de me sentir tão intelectualmente inferior foi na primeira aula de matemática numa escola em que eu acabara de chegar, na oitava série. É um verdadeiro quebra-cabeça. No fim montamos seguindo o croqui quando era possível, mas sobraram várias peças que, esperamos, não sejam tão fundamentais assim.

[Mas vejam, ficou bonitinho, até! Difícil agora, depois desse rack, é animar pra montar o balcão de cozinha. Aiai. Enquanto isso, a casa vai mudando, ficando com cara de casa, e vamos nos apropriando dela. Êba. :) ]

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

o curso é "muito teórico"?

Uma pessoa que conheço prestou vestibular e foi aprovada nas três universidades estaduais paulistas e em uma universidade privada de ponta no Rio de Janeiro. Em dúvida sobre o que escolher, me fez algumas perguntas sobre a Unicamp. Como é o bairro? Quanto custa o aluguel aí perto? Como encontro vagas em república? Como é a estrutura da universidade? Etc. etc. etc. Fomos conversando, até que ela chegou numa pergunta que já ouvi muitas, muitas vezes (e que provavelmente, antes de entrar na universidade, também fiz outras tantas): o curso não é muito "teórico", pouco voltado "ao mercado de trabalho"?

Hm. Interessante. Me lembrei de quando eu mesma pensava assim, opondo essas duas coisas que, na prática, não são nada opostas.

Eu poderia discorrer aqui sobre todo um mercado de trabalho voltado a pesquisadores e cientistas, que também é mercado de trabalho. Mas, sejamos legais, eu entendi o que minha conhecida quis dizer. Ela queria saber do mercado de trabalho corporativo. Ela queria saber se a formação que ela receberia na Unicamp seria adequada ao trabalho técnico ou administrativo que ela pretende exercer em empresas.

Me pergunto de onde vem essa ideia nossa, no senso comum, de que a formação com uma base teórica forte não é adequada ao mercado corporativo. Basta observar as seleções de quadros profissionais em grandes empresas, como os processos para trainees. Em geral as pessoas com diplomas de universidades que se concentram sobre teoria e pesquisa é que são selecionadas. Isso é resultado de uma forma de pensar muito simples e muito lógica dos grandes empregadores: a técnica pode ser aprendida em treinamento; a teoria é muito mais custosa. Além disso, muitas vezes sem a base teórica sólida, o profissional sequer consegue executar a parte técnica e administrativa, a não ser que seja um apertador de botões ou algo que o valha - mas não imagino que seja essa a ambição dessa colega (e não desmereço, também, a atuação de apertadores de botões).

Por esse motivo, aviso aos que têm essa inquietação: aproveitem a teoria que está sendo trabalhada na universidade; depois você terá a vida inteira pra aperfeiçoar a técnica.

;)

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Dissertação em mãos... da banca!

Eis que termino a dissertação. Uma verdadeira jornada. Me vejo com um calhamaço - ou melhor, dois - de 200 páginas na fila do correio. Posto um sedex pra cada membro da minha banca e torço pra chegar logo. Sou toda ansiedade. Esses dias foram tensos.

Tensos porque precisava terminar tudo. Tensos porque, ao mesmo tempo, começaram as aulas numa escola, fui contratada em outra e começaram as aulas nessa segunda. Gente. Cêis não têm noção. Além disso, tenho feito um trabalho com livros didáticos de sociologia. Imaginem como eu estava. A ponto de ter uma conversa com meu marido, pedindo muita paciência comigo nesses dias.

Esse é o primeiro sábado desde Dezembro que eu posso escolher, de fato, se vou trabalhar um pouco ou não.

(e escolhi que não, claro; ando precisando)

Agora é a espera. Amigos, parentes, conhecidos e conhecidas, que já estão com o arquivo em seus computadores ou caixas de email, talvez em breve mandem comentários. Observações. Por enquanto só ouvi elogios aos agradecimentos que escrevi. Eles são importantes e fiquei feliz. Mas ficarei ainda mais contente quando alguém quiser discutir meus cálculos, interpretações gráficas, entrevistas de pesquisa. Porque foram infinitamente mais trabalhosos. Demorei três anos para fazê-los, sabem.

É essa minha ansiedade que me deixa meio amarga. Mas meio doce. Esperando. Torcendo. Querendo ver, mas do que uma aprovação, onde é que eu errei. Quero saber qual a falha que não vejo. Quero saber onde dava pra ter sido melhor. O processo é esse: surra no ego, que se recupera, calejadinho, e vai ficando mais forte (para o azar de vocês, meu povo).

Eu já achei que queria ser a pessoa mais inteligente do mundo. Hoje eu penso que só um pouco mais inteligente, por vez, já está bom.

Vejamos como me saio.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

acesso à rua e a cerca mágica

Embora para muita gente esta não seja sequer uma questão a ser discutida, eu entrei em conflito inúmeras vezes sobre restringir o acesso de meus gatos à rua ou não. Vale dizer que eu moro num bairro com bastante áreas verdes, praticamente inteiro de casas térreas e alguns sobrados, numa rua em que passam poucos carros. Quando mudamos para cá, optamos pelo local por causa de preço, mas também por ser uma casa e não um apartamento. Eu confesso que não gostava da ideia de gato em apartamento. Sempre tive animais em casas e percebia como eles amavam o espaço, os quintais, etc. Me apertava o peito pensar em gatinhos fechados num apê. Só que.

Há dois anos, quando mudamos para cá, tínhamos uma gata, a Mafalda, e um de seus filhotes, o Hobbes. Nestes dois anos, outros 12 gatos passaram por aqui. Isso mesmo: em dois anos foram 14 gatos. Catorze. Destes catorze, 2 foram roubados. A Mafalda foi envenenada. A Papaguena apanhou na rua (sim, de uma pessoa) e nunca mais saiu de casa. A Gertrude foi sequestrada (vocês nem imaginam, qualquer hora conto essa história). De 14 gatos, então, 5 sofreram na rua, 6 conseguimos achar quem adotasse, 2 nós adotamos temporariamente (Basquiat e Ganache) porque foram abandonados, e apenas o Berlioz, em 14 gatos, nunca teve problemas sérios em relação à rua. Ainda.

Quando vejo máquinas operando nos terrenos baldios, em frente à minha casa, tenho medo. Quando vejo morcegos meio tontos, de dia, voando pelas mangueiras, tenho medo. Às vezes escutamos na rua algum gato gritando de medo. Às vezes escutamos pessoas assustando gatos na rua de baixo. Uma vez o Alê viu, voltando do ponto de ônibus, uma molecada em um carro ~brincando~ de fingir que iam atropelar nossa gata, acelerando em cima dela. No inverno, já saímos de madrugada procurando um dos nossos gatos, com medo de que eles dormissem no motor de alguém e acordassem tarde demais.

Ao mesmo tempo, a forma como é o nosso quintal, no começo, representava um desafio. Não queríamos (e sairia bem caro) cobrir o quintal inteiro com redes de proteção. Os muros são fáceis de serem alcançados, então mesmo que botássemos tela no portão, ou um portão no corredor (moramos numa casa de fundos), eles ainda conseguiriam sair. Até que, um belo dia, começamos a assistir um programa de TV chamado "My Cat From Hell".

Neste programa, o host, que é especialista em comportamento felino, Jackson Galaxy, faz as vezes de supernanny e visita a casa das pessoas pra ajudá-las a resolver problemas com seus bichanos. Tem de tudo: problemas de adaptação de uns gatos com outros, gatos com ciúmes de namoradxs, gente que bateu no gato e o gato se revoltou, gato mijando pela casa toda, ___________ [inclua aqui seu problema com gatos]. Pois num dos casos, o gato saía de casa e passeava na casa dos vizinhos. Como ele era ~meio~ agressivo, não era uma coisa lá muito bacana. A família não queria (ou não podia) telar um certo muro. Então Galaxy sugeriu uma coisa da qual eu nunca tinha ouvido falar: uma cerca a 45º em cima do muro. Nos EUA eles chamam isso de "cat-proof fence", ou "cerca à prova de gato".

Parece que, quando tem uma cerca a 45º em cima de um muro, mureta, etc., os bichanos olham aquilo de baixo e têm a impressão de que vai cair sobre eles. Aí se afastam e não sobem. Parece mágica; vejam a partir de 04'07'':




Era essa a nossa solução!

O primeiro passo foi tentar ver como contratar um serviço pra fazer isso no muro todo aqui de casa. A primeira empresa que contatei não faria isto, apenas cobriria o quintal todo, por um preço absurdo e demoraria pelo menos 30 dias. Contatei uma segunda. Daí que o serviço da segunda empresa tem a assessoria de um serralheiro, e assim finalmente conseguimos um orçamento bom, num serviço exatamente como queremos e... pra hoje! Sim, o prestador de serviço já está aqui em casa, fazendo os primeiros furos, e o serralheiro deve vir esta semana ou na próxima. Viva!

É claro que o lance de restringir os bichanos aqui em casa tem alguns lados negativos, como precisarmos de 4 a 5 caixas de areia, com cuidados diários com cada uma delas. Assim como aumentar o território verticalmente (falei sobre isso, aqui). 

Mas meus pitoquinhos estarão seguros. Nada de sair de madrugada balançando potinho de ração depois de ouvir gatos berrando na rua. Tem recompensa melhor que essa? :)

*
*
*
UPDATE [do fim do dia]:

Uma parte da rede já está instalada! Agora é esperar o serralheiro fazer as estacas de metal a 45º pro moço da rede instalar no outro muro. Esse pedaço que vocês estão vendo aberto, num corredor, terá um portão, também telado,  para que os tchutchucos realmente não consigam sair. Vamos que vamos!

Ficou assim, até agora.
Aí na foto da esquerda mostra direitinho onde vai encaixar um portão.
Bichanos seguros = <3

Sras e Srs, com vocês, minha defesa!

Parece então que é chegada (quase) a hora; no dia 25/02 vou defender meu mestrado. Em um mês terei praticamente terminado essa aventura, esse empreendimento que foi o mestrado. Animada, com perspectivas de fazer o doutorado logo. Feliz de ter conseguido.

O momento é importante e convido a acompanharem minha defesa, se puderem. Tentarei transmitir pela internet, mas não garanto que isso vá acontecer. Veremos.



domingo, 27 de janeiro de 2013

território e espaço

Não, isto não é uma aula de geografia. Mas poderia ser. Geopolítica, talvez. A Geopolítica felina da minha casinha de fundos. Um assunto e tanto nas últimas semanas. Primeiro, porque chegando da viagem de ano-novo descobrimos um novo habitante aqui, o Basquiat. Depois, porque com uma semana de Basquiat e os nossos três primeiros gatos começando a se acostumarem com ele, recebemos mais um felino aqui. Isso; senhoras e senhores, agora estamos com cinco gatos na casa. Cinco.

Novo morador, para adoção
(me contatem se interessa!)
Nossa casa não é lá muito grande. Temos um quarto (onde cabe a cama, o guarda-roupa e uma cômoda), um escritório, uma sala pequena, uma cozinha razoável, areazinha de serviço, quintal cimentado, espaço pra guardar um carro. Pra duas pessoas é tranquilo. Pra duas pessoas e três gatos, também. Com o quarto gato começou a ficar apertado. Agora está além do limite.

Fato é que estamos buscando um novo lar pro Basquiat e pra esse outro gato que a gente ainda nem nomeou na esperança de alguém adotar. Mas fato é também que sabemos que, como são ambos adultos, há poucas chances de alguém querer adotá-los. Basquiat, que é preto, muito menos. O lindinho da pelagem marrom ainda tem esse apelo: gatos castanhos não são tão comuns no Brasil. Enquanto ninguém se dispõe a cuidar deles para o resto da vida, nós o fazemos. Então, se tudo mais falhar, temos cinco gatos. Eita.

Os bichanos são extremamente territoriais. O bom é que no livro legal que ando lendo (este aqui), a autora dá dicas preciosas para lares "multigatos". Basicamente ela ensina o que fazer para promover uma vida agradável na "colônia" felina (descobri que se chama assim; não é fofo?). Bom, acontece que a colônia felina aqui de casa não anda lá muito em paz. Pelo simples motivo de que não há espaço suficiente. Felizmente, a autora do livro explica também que para os gatos, o território é multidimensional. Isso quer dizer que acrescentar níveis verticais seria o mesmo do que construir mais cômodos para nós. Bingo!

Estamos planejando algumas prateleiras especiais para gatos aqui em casa: prateleiras comuns, de madeira, pregadas em forma de escadinhas, e forradas com carpete. Faremos uma do lado de fora, uma no escritório e outra no canto da sala. Três lugares onde eles podem olhar pra fora e vigiar o espaço deles. Também estamos avaliando a possibilidade de uma passarelinha ligada a uma das escadas (com outra escada na ponta), para que eles passeiem por cima da gente - e uns dos outros.

Além disso, tem as mudanças que estamos planejando no nosso espaço. O primeiro passo já foi dado: comprei hoje, pela internet, um rack de TV e um balcão pra cozinha. O próximo passo é uma furadeira (claro), que deve ser comprada amanhã. Aí vem as prateleiras, armários para o quarto, armário para a sala, escritório e afins. Tapete pra acolchoar as prateleiras dos felinos. Uma boa mão de tinta do lado de fora, e uma cat-proof-fence que ainda estamos elaborando.

Aguardem notícias! ;)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Livros para dar e vender. Só que não.

Cheguei. Foi duro admitir, mas cheguei, enfim, no meu limite. Simplesmente não dá mais pra comprar livros.

Como todxs (ou muitxs) acadêmicxs, eu amo livros. Amo lê-los, amo folheá-los, amo relê-los, amo estar rodeada deles. É claro que tem um elemento fetichista forte aí, já que eu poderia fazer como algumas pessoas que conheço e doar um monte dos livros que tenho. Só que não. Não poderia. Muita gente compra livros pra "ver qual é"; eu compro livros que me interessam muito. O problema é que tanta coisa me interessa muito, que eu acabei perdendo a medida da coisa.

Além dos livros "de trabalho", ou seja, aqueles de sociologia, antropologia, educação, etc., no ano passado acumulei uma boa biblioteca de literatura e poesia. O problema é que só partes dela foram lidas. Algumas partes de alguns livros e outros livros inteiros e outros dos quais eu tinha até me esquecido (!). Arrumando a livraiada no domingo foi que eu vi que meu limite chegou. Não são poucos os livros que tenho e, se contar aqueles que tenho em versão digital, no kindle, são ainda mais (e agradeço à deusa tecnologia por me permitir guardar quase 50 livros em poucos centímetros cúbicos). Uma parte da biblioteca digital também foi lida apenas parcialmente.

Resolvi dar um basta.
Não compro mais nenhum livro até que tenha lido tudo que tenho em casa.

(e parece que finalmente achei duas resoluções de ano-novo com cara de resoluções de ano-novo: não comprar livros, em primeiro lugar, e ler todos os livros que eu tenho, em segundo)


(também acho que a única exceção que abrirei são quadrinhos; eles são irresistíveis e, por outro lado, jamais ficam sem ser lidos)


O negócio é fazer uma lista e escolher o que quero ler antes e depois. Vou fazer um cronograma de leitura do ano. Vamos ver se eu consigo. E vocês, compreendem essa compulsão?

:)

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Francisco

Meu sonho sempre foi um gato todo preto, mas quem apareceu na minha vida foi você. Pequenininho, estabanado e irrequieto, como bom filhote, Francisco parecia ser o nome perfeito pra você.

Mentira: escolhi seu nome em homenagem ao Chico Buarque, um dos meus compositores preferidos, aquele que compôs uma música em minha homenagem (cof cof!). Se você fosse preto, seria Magal.

Você aprontou muito quando filhote: destruiu um sofá de 3 lugares, junto com sua irmã! Aliás, você sempre foi um ótimo e atencioso irmão mais velho: sempre que sua irmã miava, por qualquer motivo, você se colocava a postos para defendê-la de quem quer que fosse. Ainda que o inimigo fosse a gata da minha mãe!

Você dorme esparramado na minha cama, esconde brinquedos em lugares improváveis e adora brincar de jogar bolinhas de alumínio, até hoje, aos seis anos de idade.

Dizem que os gatos deixam de brincar com o passar dos anos.... ainda bem que você continua sendo meu filhotão!

O gato mais branco

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Getrude, a 'undercat'

"Underdog" é um termo em inglês para falar de quem 'está por baixo', é 'renegado', e daí em diante. Então essa semana eu comecei a ler "Cat vs Cat", da Pam Johnson-Bennet (R$42 na Livraria Cultura, em inglês) e descobri quem é o "undercat" aqui em casa. A ideia do livro é ajudar cuidadores/tutores que têm vários gatos em casa a compreender como funciona o relacionamento entre eles, e como lidar com isso no dia-a-dia. A primeiríssima coisa que ela aborda no livro é justamente a hierarquia entre os gatos.

minha 'undercat'
A gente (marido e eu) sabia que os gatos têm sua própria hierarquia, que ela muitas vezes não é fixa, e que há disputas constantes por isso. Até aí, tudo bem. Lendo o começo do livro, porém, eu comecei a perceber que minhas ideias sobre como identificar a posição dos gatos na hierarquia é que estavam bem equivocadas.

Nossa gata mais velha, Gertrude, sempre gostou muito de ficar fora de casa, passear (esse assunto de deixar os gatos saírem de casa merece um post exclusivo, então vou passar ele batido agora, mas aguardem). Ela tem uma relação aparentemente amigável com a Papaguena. As duas se lambem, dormem juntas, etc. Ela chia mesmo é pro Berlioz, que é filhote dela. Basta ele chegar perto, nem precisa fazer nada, que ela chia, dá patadinhas, às vezes rosna. Sempre foi assim, desde que um pouco depois de ele ter desmamado... Ah, vale dizer que os três são castrados.

Na minha cabeça, ela estava no topo da hierarquia, afinal de contas ela batia nos outros sem sofrer nenhuma retaliação, era a mais agressiva/esquentadinha, etc. Até que descobri (obrigada, Pam!) que na verdade a agressividade muitas vezes indica justamente que aquele gato está abaixo dos outros na hierarquia. Comecei a perceber outros sinais da posição rebaixada que a Gertrude ocupa entre a 'colônia' (é assim que chamam em inglês o grupo de gatos): ela fica longe porque não sente que o espaço da casa é dela; ela só vem comer depois que os outros gatos comeram, ficando com as sobras; ela evita os outros gatos; quando está no quarto, procura cantos escondidos; e por aí vamos.

Começamos essa semana uma terapia intensiva pra devolver a autoestima à Gertrude, na esperança de que ela não se sinta ameaçada pelos outros gatos, mesmo que continue a ocupar uma posição inferior na hierarquia (convenhamos, algum deles sempre terá de ocupá-la). O primeiro passo foi limitar o acesso do Basquiat e do Berlioz ao nosso quarto, que sempre foi o canto preferido dela na casa. Deixamos a Papaguena entrar menos, mas deixamos um pouco, porque a Gertrude não costuma se incomodar com ela. Ao mesmo tempo, deixamos apenas a janela aberta durante o dia, e fechamos a Gertrude pra dormir conosco durante a noite, numa almofada nova especial que compramos só pra ela. Ela fica ao lado da nossa cama. Se eu decido trabalhar no quarto, boto a almofada na cama e ela fica lá comigo. A Papaguena também ganhou uma almofada pra quando estiver lá.

Tenho percebido alguns efeitos disso, já. Pra começar, só nos três dias em que estamos fazendo isso, a Gertrude tem ficado mais tempo em casa. Quando sai, é rapidinho, dá um rolê e volta. Ela está relaxada no quarto, mesmo com a Papaguena do lado. Também voltou a procurar lugares mais altos pra ficar (e eu vou resolver isso em breve, comprando uma furadeira e umas prateleiras), o que indica que ela já está mais à vontade no espaço, não fica querendo 'se esconder' o tempo todo, como estava depois que o Basquiat chegou em casa.

Vamos seguir acompanhando, e posto as novidades aqui. Conforme for lendo o livro, mais ideias também vão surgir e continuarei na minha mirabolante missão de ter um lar feliz com quatro gatos e pouco dinheiro. :)

Até mais!

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

idiomas, pra que vos quero

Então este ano parece que eu vou mesmo estudar árabe. Árabe! As pessoas me olham encafifadas: afinal, para que estudar árabe? Estuda-se inglês, em geral, para "se comunicar com todo mundo", dizem por aí que é a tal "língua global". Estuda-se espanhol, em geral, para "se comunicar no mercado de trabalho com o mercosul". Alguns estudam francês por puro capricho, outros por necessidades de trabalho e acadêmicas. Mas e o árabe?

Ao contrário do que pode parecer pensando no senso comum, falando apenas inglês como segunda língua não somos capazes de nos comunicar com quase ninguém. Na verdade, somos capazes de nos comunicar em vários países, mas apenas com a pequena parcela de suas populações que foram educadas com o inglês como língua estrangeira (em alguns também como língua oficial). Bastou minha primeira saída do país, em 2005, para a Tunísia, para desmantelar esse conto. Foi mais fácil achar tunisianos que falassem espanhol, na época, do que inglês. Alguns anos depois, na Inglaterra, fiz amizade com um grupo de italianos que praticamente não falava (ou falava muito pouco) inglês. No ano seguinte a isto, na Coréia do Sul, idem: os coreanos mais jovens compreendiam o que eu falava, mas muitos não sabiam falar. Vejam só.

Aprender um idioma não é apenas uma questão de conhecimento do idioma e de uma certa cultura a ele associada. É uma questão muito mais ampla de acesso a todo um conhecimento produzido excluisvamente naquele idioma. Vejam bem; minha amiga que estuda teoria crítica não pode se furtar a aprender o alemão. Não tem nada a ver com o fato de traduções 'perderem' ou não sentidos originais, mas com o fato de que muita coisa simplesmente não foi traduzida, ou então as traduções são proprietárias e os originais já não têm direitos autorais (em alguns casos). É assim com o inglês.

Percebo, no cotidiano acadêmico, a diferença que faz o domínio de idiomas estrangeiros para a própria qualidade e amplitude da pesquisa bibliográfica que embasa projetos de pesquisa, artigos, etc. Com acesso apenas ao que foi publicado em português, limita-se diálogo e alcance das conclusões de pesquisa, e às vezes limita-se acesso a dados também. Sem falar na produção de excelentes artigos, em especial no caso dos periódicos especializados em inglês ou francês (cito estes porque são os que melhor conheço), que jamais serão traduzidos salvo raríssimas exceções.

Sabendo inglês, francês e espanhol com certa fluência;
considerando que não estudo nenhum país de língua árabe ou cultura predominantemente árabe;
considerando que a produção em árabe pra minha área de estudos não é über-relevante;
então, por que raios desejo aprender árabe?

Aí é que está. Dominando inglês, francês e espanhol, cubro as necessidades práticas da minha carreira. Quase todas, até onde tenho percebido. Me dou ao luxo, então, de escolher acessar um outro tipo de conhecimento e informação, que talvez nem seja diretamente útil para meu trabalho: a cultura e a política. Quero aprender árabe para ler literatura árabe sem depender do crivo mercadológico ocidental das editoras que os publicam em inglês, espanhol, francês e português. Quero aprender árabe para ter acesso a filmes para os quais nunca foram feitas legendas. Para obter informações diretas de países árabes sobre sua própria situação política, econômica, social, sem a edição dos jornalhões e agências de notícias 'internacionais' ou 'globais' (que na prática são dois nomes para 'ocidentais'/'euroamericanas'/etc).

Pelo mesmo motivo, a língua que se segue ao árabe em minha lista de desejos é o chinês/mandarim. Depois dela, o russo, ou o swahili. Isto cobre, creio, grande parte dos países em que há conhecimentos específicos, pontos de vista, elementos culturais absolutamente ignorados pelo olhar dos editores 'ocidentais' ou 'internacionais'.


Vou estudar árabe porque eu quero saber por mim mesma.
Saber o quê?
Tudo. Ou o máximo possível.

um pouco de história

Confesso que acho gatos de raça lindos, em especial os Bengal, Maine Coon, Siameses. Confesso também, porém, que me incomoda muito a ideia de fazer disso um negócio: os gatis. Me incomoda a ideia de comprar um animal de estimação. Para mim, os animais de estimação sempre foram presentes da vida. Gatos, em especial. Eles escolhem viver comigo e eu, se posso, aceito cuidar deles.

Meus quatro gatos vieram com a vida. Quando conheci meu marido ele tinha uma gata, a Mafalda, que estava prestes a ter sua primeira ninhada. Desta ninhada sobraram dois gatinhos, dos quais cuidamos, mas que foram assassinados por vizinhos. Muito triste. Na segunda ninhada da Mafalda (sim, vacilamos com a castração na época), vieram o [Thomas] Hobbes, a Gertrude [Stein] e a Hannah [Arednt] (que depois foi rebatizada). Ficamos com o Hobbes, demos a Gertrude e a Hannah para dois amigos que queriam adotar. Infelizmente a Hannah sumiu e nem chegou a ir para a casa desse amigo. Continuávamos com a Mafalda.

Primeira ninhada da Mafalda:
Mindaugas e Tchorni
Mindaugas <3


Mafalda e a segunda ninhada:
Hobbes, Gertrude, Hannah
Hobbes <3


Gertrude, quando era um neném <3

Mudamos de casa, nos casamos. Acostumamos Mafalda e Hobbes com o novo ambiente. A amiga que adotou a Gertrude ia se mudar para uma outra casa, e não poderia levar a gata. Re-adotamos Gertrude. A certa altura do campeonato, levaram Hobbes embora. Ficamos realmente chateados, ainda não tínhamos aprendido o truque mágico da cerca a 45º e do jeito que nossa casa é construída, mesmo com telas os gatos ainda poderiam escapar. Cuidamos das duas, mãe e filha.

Mafalda era siamesinha de cara escura; Gertrude siamesinha branca e cinza. Um dia volto de uma reunião e vejo virem, miando, de longe, uma gata siamesa e um filhote branquinho. Parecia que eu tinha voltado no tempo. Acolhi o filhote e, quando abro a porta do escritório, lá está outro filhote, rajadinho. Meu marido havia encontrado a gata com a ninhada e pegado um dos filhotes, pra adotarmos no lugar do Hobbes, que também era todo tigrado. Deixei a gata entrar pra dar de mamar aos dois pequenos, depois coloquei-a para fora. De repente escuto um miadinho na porta de casa. Era ela, com um terceiro filhote. Deixei ela entrar e levar o filhote para onde estavam os outros, enquanto Mafalda e Gertrude estavam fechadas em outro quarto. Ela deu de mamar novamente e saiu. Mais alguns minutos, outro miadinho. Ela vinha com o quarto filhote na boca. E escutei, olhei para o lado: havia um quinto, saindo debaixo da minha máquina de lavar. Pronto, eu tinha aceitado, sem querer, cuidar da gata e da ninhada, e achar potenciais donos.

Nessa época, a hora da bóia era assim aqui em casa...
(o Mignon era o único que já tinha sido adotado)

Eu, Ludovica e Papaguena
O filhote branquinho foi o primeiro, e ganhou o nome de Mignon, foi morar em São Paulo na badalada região da Avenida Paulista. Em seguida foi a gata-mãe e um dos filhotes rajados, que continuaram no bairro onde moro, mas um pouco distantes. Sobraram dois gatinhos machos. Passaram-se uns meses, e o veterinário 'novo' nos disse que, na verdade, eram fêmeas. Assim, [Pierre] Bourdieu e Ludovico [Beethoven] se tornaram Papaguena e Ludovica. Alguém pouco depois levou a Ludovica e ficamos com Mafalda, Gertrude e Papaguena.

Mafalda é um caso à parte, que me traz na memória muito arrependimento de coisas que fizemos de errado ao deixar a gata entrar com a ninhada. No fim das contas ela mudou de casa, embora viesse nos visitar. Depois de um tempo foi envenenada. Chorei muito, errei muito com ela. Este é assunto pra outro post.

Gertrude mamãe, carregando Berlioz
Quando íamos castrar Gertrude e Papaguena (Mafalda já era castrada), descobrimos que Gertrude estava grávida. Vieram três filhotes: chamamos o machinho tigrado de [Hector] Berlioz, e não demos nome às duas fêmeas pretinhas, que teriam de ser adotadas. Minha irmã adotou uma delas, a Selina, e uma ex-colega de trabalho adotou a outra, que foi provisoriamente chamada de Pantera.



Resumo da ópera: ficamos com Gertrude, Papaguena e Berlioz.
Até a semana passada.

Chegamos de viagem e descobrimos que nossa casa tinha um novo habitante. Depois de descobrirmos que ele não tinha casa - talvez tenha sido abandonado pelos donos em mudança, talvez tenha sido largado aqui; não sabemos - batizamos de [Jean-Michel] Basquiat. E agora, de repente, temos quatro gatos. Todos presentinhos que a vida me deu e eu aceitei. Gatos que carregam histórias, minhas e deles mesmos. Gatos que vocês vão acompanhar ao longo da existência desse blog.