quarta-feira, 1 de maio de 2013

anedotas de viagem, parte um

Na primeira vez em que saí do país, aos 18 anos, fui à Tunísia participar de um fórum mundial de jovens escoteiros (quem sabe um dia eu conto mais sobre minha experiência no movimento escoteiro; ainda não é a hora). Eu, que sempre tive vontade de conhecer países não-ocidentais (incluindo aí o próprio Brasil e diversos destinos latinoamericanos, asiáticos, etc), tive uma experiência incrível.

O cheiro acre de xixi de camelo nas ruas, a escassez de água, a dificuldade imensa de comunicação (na época eu nem pensava em começar a estudar francês e, aliás, foi nessa viagem uma das primeiras vezes em que isso passou pela minha cabeça). Nada era suficiente para minar meu encantamento com uma sociedade tão diferente - e tão parecida - com a minha própria. Eu nem era socióloga ainda, havia cursado apenas um semestre da graduação, mas sentia que era disso mesmo que eu gostava: de gente. O que quer que eu fosse fazer na vida teria que incluir a diversidade incrível de seres humanos, e uma série de hipóteses e investigações sobre isso. Mal sabia eu que estava no caminho certo - coisa que só descobri alguns anos mais tarde.

Viajávamos para o interior, a visitar umas ruínas de castelos do império romano. Havíamos sido avisados que a água seria muito escassa para banho, e nos preparamos psicologicamente. Um banho a cada três dias, num calor de quase 50ºC, num território cercado de deserto, não é para os fracos. Eu, com a força dessa curiosidade toda e dessa paixão maluca por gente, sobrevivi. Me lembro, nessa viagenzinha dentro da viagem, de três momentos importantes, que me marcaram para o resto da vida. Os reconstruo aqui misturados à ficção, que toda narrativa de memória é tambem ficcional. Conto como lembro, sabendo que o que lembro não é necessariamente o que aconteceu. Em ordem cronológica.

* * *

parte um, a cabra
assim que o ônibus saiu, não me lembro que horas eram. posso inventar aqui que foi depois do almoço, mas a lembrança do calor engana no deserto. a estradinha estreita, cercada de areia e casinhas que pareciam ter existido ali desde o começo do mundo. toda viagem no espaço é também uma viagem no tempo. o ônibus quebrou. naquela outra dimensão, do outro lado da estrada, uma mulher olhava, apoiada no batente da porta estreita. o lado de fora era tão claro, que o lado de dentro ficava todo escuro a nós, que olhávamos de fora.

rodeada por crianças, observavam um senhor de idade e um jovem adulto. um deles - não me lembro quem - puxava uma cabra (devia ser uma cabra) pelo pescoço, com uma corda. o outro tentava desempacar o animal empurrando-o por trás. ela se recusava a andar. percebendo que seu destino era o matadouro, abandonou o próprio corpo no chão. corpo mole, diríamos aqui. mas não só. parecia que a cabra não queria mesmo viver e simplesmente não se daria o trabalho de caminhar até a morte. pensam que cabras são idiotas?

os homens então chamaram alguns vizinhos que observavam o drama todo. foi preciso uns três ou quatro homens para carregar a cabra, esperneando, até o matadouro. o ônibus foi consertado. não vi mais a cabra, nem os homens.


parte dois, o violino
eram ruínas, como eu disse, do império romano. um palácio enorme, ou uma casa de algum nobre de algum tipo que minha péssima memória das aulas de história antiga no ensino fundamental não me deixa recordar. dessa vez tenho certeza: era de tarde. o calor era grande, ainda, mas já sentíamos o vento começando a esfriar. quem já esteve em clima desértico sabe, é incofundível. fica muito frio à noite. eu, que não era besta, levei um casaco e me enfiei nele assim que deu.

me perdi nos desenhos. o chão dos palacetes era todinho desenhado. os desenhos contavam histórias e fiquei lá, lendo. quando vi, estava quase sozinha. um de nossos guias tunisianos disse que o jantar estava servido. já que não sou besta e que estava com fome, olhei aquela coisa linda uma última vez, me despedi prometendo um dia voltar, quem sabe, e segui o guia até uma parte mais alta do morro.

encontrei o resto do grupo. entramos numa espécie de parte ainda conservada do palacete. as paredes mais antigas que vi até hoje. toquei pra ter certeza de que eram de verdade, de que eu não estava sonhando e de que não era um truque cenográfico barato pra enganar turistas. não era. era parede mesmo. antiquíssima, preservada, em pé. ah, humanidade, meu amor por ti não tem fim. (antes que meu lado poeta encubra meu lado socióloga, isso aí é durkheim gente: a continuidade da sociedade apesar da finitude dos indivíduos, que coisa linda)

caminhamos por um corredor estreito.
comecei a ouvir um violino.
violino, gente, um violino.

adentramos o salão.
o salão não tinha parede no fundo. a parede devia ter-se ido há muito tempo. como foram-se as paredes das casas com desenhos no chão. numa cadeira sobre um palco pequeno, uma mulher, sozinha, de cabelos escuros soltos contrastava com o sol laranja que se punha exatamente no fundo da sala sem fundo. um dos sóis mais alaranjados que já vi acordada (qualquer dia conto dos meus sonhos na China e na Birmânia, aí sim vocês saberão o que é luz cor-de-laranja de verdade). todos se calaram imediatamente. quando um violino toca, é preciso calar.

no centro do salão, uma mesa muito comprida. muito comprida mesmo. sobre ela, dezenas de recipientes prateados e dourados repletos de mel (tantos tipos quanto eu podia imaginar), azeite, potinhos com azeitonas, halawa (doce de gergelim, coisa mais deliciosa desse mundo), tahine, e diferentes pães que já havíamos provado nos outros dias da viagem. depois dos aplausos à violinista, juntamo-nos todos e todas ao redor da mesa. nos despedimos do sol.

não comi quase nada, e naquela noite sonhei com as ruínas.



parte três, palestina
essa anedota é mais curtinha. na mesma viagenzinha ao interior da tunísia, fomos brindados com uma noite de apresentações culturais. era uma espécie de teatro de arena a céu aberto, com arquibancadas. sentei bem na frente. me misturei com os grupos de crianças e adolescentes tunisianos que se preparavam pra nos mostrar algumas tradições de sua cultura. não me lembro exatamente do contexto. acho que eram escoteiros, como nós, ou talvez alunos das escolas locais, ou quem sabe beneficiários de algum programa social. não sei. estavam lá e, em grupos, se apresentavam com danças, peças de teatro, e assim por diante. até que.

até que, a certa hora, um homem enuncou o contexto da próxima cena.

disse ele, que os meninos representariam uma das batalhas mais importantes para a história deles. uma batalha que ocorreu entre palestinos e israelenses. história recente. os palestinos resistiam e defendiam uma cidade. a cena era uma espécie de dança. não havia fala. crianças de sete, oito anos de idade, fingiam ter metralhadoras em suas pequenas mãos. balançavam orgulhosamente uma bandeira palestina. usavam keffyehs e comemoravam.

estávamos, então, numa das cidades que mais havia acolhido refugiados palestinos depois da criação do estado de israel. "um dia voltaremos pra casa", disse o apresentador.


segunda-feira, 15 de abril de 2013

a lousa

eu achei mesmo que logo todo mundo a usar lousa digital. que as escolas, alunos, pais professores iam ver a lousa cada vez mais como um apoio visual à explicação, e menos como uma referência concreta do conteúdo da aula. achava isso porque percebo que cada pessoa aprende de um jeito diferente. cada um interpreta o que o professor diz - e o que os colegas perguntam - de uma maneira. cada um faz um caminho lógico e um raciocínio pra compreender o conteúdo da matéria, e esse caminho tem a ver com a própria subjetividade e com as experiências de quem assiste a aula. bom, mas essa sou eu.

daí que meus alunos disseram que minha lousa é ruim.
e, olha, é mesmo.

é ruim, principalmente pro objetivo deles. já que minha disciplina não tem livro didático nem apostila, eu compreendo perfeitamente que busquem na lousa uma referência. e, como referência, sejamos sinceros, minha lousa é uma bela droga. tenho sérias dificuldades em fazer esquemas explicativos que não dependam de longos textos. em parte porque acho que eles não funcionam, não explicam nada, e não ajudam meus alunos a responderem o tipo de questão que eu elaboro para suas provas, de cunho mais analítico. e aí, pra consultar como referência rápida da matéria, minha lousa de fato não presta.

isso não quer dizer que eu não possa aprender a fazer isso. talvez essa seja uma daquelas coisas muito úteis que eu estou esperando aprender com meus alunos. tem várias e antes de começar a dar aulas nessa escola eu até fiz uma listinha mental. quem sabe um dia eu escrevo melhor sobre isso. a lousa, então, acaba de ser incluída nessa listinha.

acho que vocês terão que me dar uma aula de lousa. vamos lá, molecada: o que é, afinal, uma "lousa boa"? como seria a "lousa ideal" de sociologia?

;)


quinta-feira, 11 de abril de 2013

bananada

banana é uma fruta fácil. biscate. se abre todinha. se deixa comer. banana é doce e vai bem com a picância da canela. substantivo feminino e sustância. banana menina, que tem vitamina. é a saia curta da chiquita bacana. banana é vida. come-se verde, come-se frita. amassada, madura, mordida. banana é história.

mexer a bananada é um ato de memória.
já nem sei desde quando, mas parece que foram umas terras griladas, dessas que nosso racismo em geral nos faz esquecer. o trisavô era analfabeto, fazendeiro de café e levou um golpe de um que dizia que seria seu genro. na verdade ele já tinha família e filhos e, letrado, passou os papéis da fazenda que ajudava a administrar todinhos pro seu nome. e o trisavô, daí, pra provar que não tinha autorizado nada? comofaz? os papéis todinhos com a assinatura dele - imagino um X, como o Dumbo. E agora, Joaquim? agora sobram poucas coisas que, vendidas, equivalem a umas terras de ninguém, no vale do ribeira. Banana, sabe? o negócio do futuro. pode confiar. das terras griladas, da opressão sobre as famílias descendentes de escravos e quilombolas que ali moravam (é justo, gente, tem até salário!), uma coisa boa. uma não, várias: bananada, banan frita, boizinho de banana, subir na bananeira, curau de milho fresco, ver os porcos, checar os pés pra ver se pegou doença, festa junina de verdade, pescar lambari no riacho, cachoeira (perigo!), ter medo de lagartixa, assistir ao fantástico domingo na parabólica daquelas que quando vem o comercial fica tudo preto (que não havia programação local pra ser colocada no ar, imagino que não seja o caso hoje). o temido quarto do vô, especialmente depois que ele morreu. um retrato num canto, a cama dura que só ela. umas aranhas aqui e ali. a cadeira de arame na varanda e os carros passando, rumo ao litoral. é Iguape ali, já? depois voltar à escola. e comer, lembrando e lambendo, pão com a bananada da mãe crescida em meio ao bananal. esse eu não dividia com os colegas. nem que me pagassem.

mexer a bananada é um ato de paciência.
- mãe, já tá pronta? - e assim se aprende a cozinhar. olha aqui e ali. mede cheirando, tocando, vendo. se não der certo de primeira, ajusta. é só pensar na função de cada ingrediente. a mãe ensina a lógica da cozinha. o pai faz torta de palmito. a vó liga pro disk-pizza porque já não agüenta isso de cozinhar. a outra vó, causando ciúmes na primeira, esbanja manjares e banquetes e quitutes e dotes culinários. é dela a bananada; é dela o curau de milho; é dela o doce de abóbora no cal. a comida tem seu tempo, e é preciso respeitar. a bananada só pega gosto quando bem cozidinha. o curau de milho é preparado em tantas etapas. o doce de abóbora precisa fazer casquinha mergulhado no cal. não tem jeito. a pressa é inimiga da vida no sítio.

mexer a bananada é um ato de amor.
em dias como esses, em que só uma bananada salva. provar devagarinho e tatear na língua a mudança de gosto de textura. o fogo basta, sozinho (e mais um punhado de determinação e perseverança do cozinheiro) pra que a banana vire doce. é cheinha de açúcar, ela. o fogo é mesmo um troço mágico. bananada tem gosto de amor. amor daquele quentinho. amor de quem fica mexendo a panela, e amor da pequena eu, espiando em volta. amor de quem deixa as receitas escritas. amor de saudades tantas. bananada é vó, é tia, prima, é mãe e irmã. bananada é a finitude, a morte que vem, a morte que vai. bananada é vida denaturada, fervidinha e derretida no fogão. é lenta, feito eu. cheira bem. estamos todas ali, em volta da colher de pau, raspando o tacho, rabiscando em papéis, esperando o dia de chuva passar. além da bananada, tem os bolinhos recheados da matéria-prima. eu e as minhas primas, entre as bonecas e instrumentos musicais, na hora do lanche. casa de vó. casa de vô. isso tudo é o sabor da bananada, derretida e queimada, que mexo vigorosamente sem me distrair. dizem comfort food, por aí, mas eu sei: bananada é comfort day.

por que corremos? (2)

Eis que, sem perceber, estávamos os três ali, no meio de um bar – onde mais? – falando de morte, de sobrevida, falando de dor. Falávamos daquilo que era íntimo, privado. Falávamos do que sequer se fala na intimidade, muitas vezes. Na mesa do bar, enquanto o resto do mundo assistia o Wanderlei Silva ganhar a luta que talvez tivesse sido a última de sua carreira. Trinta e quase-quarenta anos, Wanderlei, é hora de se aposentar, tu não sabia? Era o soco da tevê, do punho do Wanderlei, ali no meu estômago. A mãe dela estava morrendo. A mãe dele morrera havia alguns poucos anos. Estávamos juntos e juntos ficaríamos. Somos jovens. Por enquanto. Como nossos pais. Vivemos. Não estava escrito que eles morreriam assim, cedo. Uma vez li em algum lugar da psicologia (era Freud?) que o nosso inconsciente se regozija com a morte alheia. Nos dá a sensação de estarmos mais vivos. Um aproveitamento, uma felicidade de viver. Agradecemos que não somos nós morrendo. Mas dessa vez os intelectuais estavam errados, que quando morrem nossos pais, morremos nós um pouco também. A vida é se ir morrendo, não tinha um poeta que dizia isso? As mortes de outros participam das nossas, quase sempre devagar. Na iminência da morte, nos preparamos, fazemos planos. Ali no bar, ela pedia nosso apoio, nosso abraço. Pedia espaço e casa e amor e acolhimento, quando a hora chegasse. Estaríamos lá para ela, claro. Fico feliz de poder estar. Já tínhamos perdido um amigo em comum e a mãe desse que compartilhava a cerveja. 

É estranho quando morrem os pais de amigos nossos. Podiam ser os meus. Podia ser minha mãe. Sem falar na responsabilidade dos pais de amigos pela existência desses amigos na terra, e em nossas vidas – às quais sou eternamente grata. Pais de amigos nos acolhem, como amigos. Nos vêem crescer. Fazem companhia. Dividem preocupação. Criam limites e barreiras e outras vezes ajudam a superá-las. Dizem coisas bonitas. Parecem quase sempre mais legais que nossos pais; parecem quase sempre mais irritantes que nossos pais. As regras são eles que fazem, e muitas vezes são outras.

Gostava, quando era pequena, de ir dormir na casa de amigos. Era praticamente uma experiência antropológica; uma incursão no desconhecido. Na casa de uma amiguinha, tínhamos que tirar os sapatos para entrar sem fazer muita sujeira. Na casa da outra, só comida macrobiótica e nada de tevê. Na outra, um lanche servido pontualmente no mesmo horário todos os dias, e uma coleção de fitas de vídeo cassete pra passar as tardes. A escola que eu frequentava tinha até uma atividade de sala que era uma visita à casa de cada colega. Íamos a turma toda, num dia agendado. Ver casas diferentes. Compartilhar a intimidade, perguntar sobre animais de estimação, tomar lanche e voltar pra casa pensando como seríamos nós, se viéssemos daquela casa, daquela família.

Uma antropóloga disse que a casa é feita das relações entre as pessoas, e que são essas relações, o parentesco, que dão significado aos objetos e à materialidade que ali está. Pois minha casa é, então, em tanto lugar.

Minha casa era ali, naquele bar.

* * *


This is how it works
It feels a little worse
Than when we drove our hearse
Right through that screaming crowd
While laughing up a storm
Until we were just bone
Until it got so warm
That none of us could sleep
And all the styrofoam
Began to melt away
We tried to find some worms
To aid in the decay
But none of them were home
Inside their catacomb
A million ancient bees
Began to sting our knees
While we were on our knees
Praying that disease
Would leave the ones we love
And never come again

On the radio
We heard November Rain
That solo's really long
But it's a pretty song
We listened to it twice
'Cause the DJ was asleep

This is how it works
You're young until you're not
You love until you don't
You try until you can't
You laugh until you cry
You cry until you laugh
And everyone must breathe
Until their dying breath

No, this is how it works
You peer inside yourself
You take the things you like
And try to love the things you took
And then you take that love you made
And stick it into some
Someone else's heart
Pumping someone else's blood
And walking arm in arm
You hope it don't get harmed
But even if it does
You'll just do it all again

And on the radio
You hear November Rain
That solo's awful long
But it's a good refrain
You listen to it twice
'Cause the DJ is asleep
On the radio
(oh oh oh)
On the radio
On the radio - uh oh
On the radio - uh oh
On the radio - uh oh
On the radio



* * *

Para Joana,
e para dois Pedros.

por que corremos? (1)

Jagger e eu seríamos um bom dueto. Somos, aliás. Ele cantando que está fora de controle, eu fora de controle há tempos, do lado de cá do ipod. Five. Minutes. Zero. Point. Five. Kilometers. Average. Pace. Nine. Minutes. Per. Kilometer. Parece um filme de ficção científica: o robô mede minhas distâncias, avalia meu corpo, me diz quanto ainda preciso correr. Now I’m out. Oh, out. Of control. É como se o mundo ouvisse a canção. Uma senhora brinca com uma criança no banco da praça, ao lado de uma bicicleta. Um velho barrigudo e magro colhe amoras do pé, a camisa xadrez surrada toda aberta. Em público. Um pai de óculos escuros observa o primogênito nas balanças e vejo os bracinhos do bebê chacoalhando fora do carrinho. A luz é amarela demais. A luz aqui é sempre amarela demais. Perto da rua, em outro banco. Esses bancos de cimento, antigos, sabe? Um homem de branco e estetoscópio está deitado, de olhos fechados. Não há hospitais. Talvez seja dentista. De estetoscópio? Curioso. Pode ter recebido uma notícia ruim. Pode ter brigado com a esposa. Pode ter sido demitido. Vai saber. Pode só estar com sono. Promoção dia da mulher, ai meu deus, que irritante, escova de photon, assim, com ph. Acho simpático. Passo pelo salão de beleza, vou atrás de uma água de coco, enquanto meu inseparável Jagger avisa que não quer ser santo, coisíssima nenhuma. Decido que preciso escrever. Decido que será um livro. Decido que chega dessa dor. Decido que não sou eu que decido nada. Volto correndo pra casa, com cuidado pra não amassar os caquis: a quitanda é no caminho. Gosto quando é época de caqui. Amo caqui.

*  *  *

I was out in the city 
I was out in the rain 
I was feeling down hearted 
I was drinking again 

I was standing by the bridges 
Where the dark water flows 
I was talking to a stranger 
About times long ago 

I was young 
I was foolish 
I was angry 
I was vain 
I was charming 
I was lucky 
Tell me how have I changed 

Now I'm out 
Oh out of control 
Now I'm out 
Oh out of control 
Oh help me now 

And the girls in the doorway 
And the boys in the game 
And the drunks and the homeless 
They all know me 

And the police on the corner 
Give a nod and a wave 
As they point me 
To my final destination

quarta-feira, 3 de abril de 2013

hay

daí que não se nasce mulher.
daí que pode-se tornar
mas recentemente descobri
também pode ser que não

é dessas descobertas que rompem com o senso-comum; é dessas descobertas que reorganizam em minha cabeça todas as possibilidades e elocubrações sobre o que seria, afinal, uma sociedade mais justa. é dessas descobertas que me botam em perspectiva, eu e minhas violências sofridas e praticadas (que viver é uma violência). descubro um lugar de opressor. eu, ora essa, que me julgava tão oprimida, vejo que minha existência oprime tanta gente. e não há nada que eu possa fazer sobre isso, exceto lutar para que deixe de ser vedade.

descobrir o lugar de opressor gera empatia. e empatia, se cuidada, às vezes gera amizade. e hoje celebro uma amizade dessas. uma dessas pessoas que mudou minha vida, que foi um marco na minha forma de pensar, agir, entender-me e os outros e o mundo.

mas aniversário é celebrar a existência.
e se eu, com minha existência, oprimo;
ela, com a sua, liberta.

liberta quem, como eu, precisou procurar uma nova posição e uma nova abordagem pra estar no mundo e construí-lo melhor; liberta quem, como ela, esteve desde sempre na incômoda e posição invisível de recusar um dos sistemas mais opressores e violentos que permeia nossas vidas - o gênero - e buscar transformá-lo no dia-a-dia.

daí que essa liberdade, Hay, é um aprendizado. eu, que sou louca por aprendizado, celebro hoje com você essa oportunidade. de quebra, a vida ainda me deu uma amiga, dessas com quem posso passar horas e horas conversando, decifrando, quebrando a cabeça, me frustrando, e assim por diante.

feliz aniversário, querida. hoje é dia de celebrar essa existência revolucionária que é você no mundo.

sábado, 30 de março de 2013

ceviche

ele, o ceviche. nhé.

um belo dia, fez-se o ceviche.
(sim, digo que "fez-se" porque, no Brasil, pelo menos na ~capital gastronômica paulicéia global~ nunca havia se falado muito nele.)

passou a ser chamado de sashimi peruano; considerado uma opção boa e saudável pra comer peixe cru; uma alternativa ao restaurante japonês; etecétera e tal. um frisson, esse negócio de ceviche. ceviche pra cá, ceviche pra lá.

eu nunca tinha tido a oportunidade de comer um, mas achei que gostaria muito. afinal, pessoas e mais pessoas cujo gosto pra comida é confiabilíssimo me disseram que o trem era bão. se organizavam atrás do trio elétrico (vamos comer um ceviche? onde aqui tem um bom ceviche? moço, tem ceviche? puxa, pena que não tem ceviche!). e, como só não vai quem já morreu, lá fui eu.

ontem o marido, noob em ceviche como eu, propôs de, enfim, experimentarmos esse novo manjar dos deuses. no fim do dia fomos a um restaurante que tem as melhores comidas mexicanas que já provamos na cidade de Campinas, e pedimos um ceviche (que, ok, não é mexicano, mas confiamos demais na qualidade gastronômica do tal restaurante).

eis que vem o ceviche! habemus cevichem!

então eu dou uma olhada no prato. provo um pedaço do peixe com o molho.

nhé. não me convenceu.
mas como não me dou por vencida, eu sabia que tinha alguma coisa ali que eu tinha que curtir. tentei achar. 
e nada.

fiquei com a impressão de que é um prato de se comer em casa. é como ir a um restaurante pra comer picadinho. ou spaghetti ao sugo. se não for muito barato, num dia de muita pressa e com poucas opções, até que vale a pena.

e qual a diferença, então, pro sashimi, que também é peixe cru e tal, com menos preparação do que o ceviche? - Bom, não sei vocês, mas eu não saio de casa só pra comer sashimi. Seria mais fácil aprender a cortar o peixe, ralar gengibre, comprar wasabi e um bom shoyu. comer um prato muito simples em restaurante só vale a pena, pra mim, se for muito, mas muito bem feito, com ingredientes absurdamente incríveis, que valham o preço (que será caro).

eu sei, sou uma herege do ceviche. pode ser ainda, claro, que tenha sido um problema daquele ceviche específico. por isso estou coletando dicas de bons ceviches pra se comer em Sampa ou em Campinas. minha curiosidade gastronômica está em polvorosa, tentando desvendar o tal do ceviche.

por enquanto, eu sigo achando que era melhor ter pedido fajitas de filé mignon.