quinta-feira, 11 de abril de 2013

por que corremos? (2)

Eis que, sem perceber, estávamos os três ali, no meio de um bar – onde mais? – falando de morte, de sobrevida, falando de dor. Falávamos daquilo que era íntimo, privado. Falávamos do que sequer se fala na intimidade, muitas vezes. Na mesa do bar, enquanto o resto do mundo assistia o Wanderlei Silva ganhar a luta que talvez tivesse sido a última de sua carreira. Trinta e quase-quarenta anos, Wanderlei, é hora de se aposentar, tu não sabia? Era o soco da tevê, do punho do Wanderlei, ali no meu estômago. A mãe dela estava morrendo. A mãe dele morrera havia alguns poucos anos. Estávamos juntos e juntos ficaríamos. Somos jovens. Por enquanto. Como nossos pais. Vivemos. Não estava escrito que eles morreriam assim, cedo. Uma vez li em algum lugar da psicologia (era Freud?) que o nosso inconsciente se regozija com a morte alheia. Nos dá a sensação de estarmos mais vivos. Um aproveitamento, uma felicidade de viver. Agradecemos que não somos nós morrendo. Mas dessa vez os intelectuais estavam errados, que quando morrem nossos pais, morremos nós um pouco também. A vida é se ir morrendo, não tinha um poeta que dizia isso? As mortes de outros participam das nossas, quase sempre devagar. Na iminência da morte, nos preparamos, fazemos planos. Ali no bar, ela pedia nosso apoio, nosso abraço. Pedia espaço e casa e amor e acolhimento, quando a hora chegasse. Estaríamos lá para ela, claro. Fico feliz de poder estar. Já tínhamos perdido um amigo em comum e a mãe desse que compartilhava a cerveja. 

É estranho quando morrem os pais de amigos nossos. Podiam ser os meus. Podia ser minha mãe. Sem falar na responsabilidade dos pais de amigos pela existência desses amigos na terra, e em nossas vidas – às quais sou eternamente grata. Pais de amigos nos acolhem, como amigos. Nos vêem crescer. Fazem companhia. Dividem preocupação. Criam limites e barreiras e outras vezes ajudam a superá-las. Dizem coisas bonitas. Parecem quase sempre mais legais que nossos pais; parecem quase sempre mais irritantes que nossos pais. As regras são eles que fazem, e muitas vezes são outras.

Gostava, quando era pequena, de ir dormir na casa de amigos. Era praticamente uma experiência antropológica; uma incursão no desconhecido. Na casa de uma amiguinha, tínhamos que tirar os sapatos para entrar sem fazer muita sujeira. Na casa da outra, só comida macrobiótica e nada de tevê. Na outra, um lanche servido pontualmente no mesmo horário todos os dias, e uma coleção de fitas de vídeo cassete pra passar as tardes. A escola que eu frequentava tinha até uma atividade de sala que era uma visita à casa de cada colega. Íamos a turma toda, num dia agendado. Ver casas diferentes. Compartilhar a intimidade, perguntar sobre animais de estimação, tomar lanche e voltar pra casa pensando como seríamos nós, se viéssemos daquela casa, daquela família.

Uma antropóloga disse que a casa é feita das relações entre as pessoas, e que são essas relações, o parentesco, que dão significado aos objetos e à materialidade que ali está. Pois minha casa é, então, em tanto lugar.

Minha casa era ali, naquele bar.

* * *


This is how it works
It feels a little worse
Than when we drove our hearse
Right through that screaming crowd
While laughing up a storm
Until we were just bone
Until it got so warm
That none of us could sleep
And all the styrofoam
Began to melt away
We tried to find some worms
To aid in the decay
But none of them were home
Inside their catacomb
A million ancient bees
Began to sting our knees
While we were on our knees
Praying that disease
Would leave the ones we love
And never come again

On the radio
We heard November Rain
That solo's really long
But it's a pretty song
We listened to it twice
'Cause the DJ was asleep

This is how it works
You're young until you're not
You love until you don't
You try until you can't
You laugh until you cry
You cry until you laugh
And everyone must breathe
Until their dying breath

No, this is how it works
You peer inside yourself
You take the things you like
And try to love the things you took
And then you take that love you made
And stick it into some
Someone else's heart
Pumping someone else's blood
And walking arm in arm
You hope it don't get harmed
But even if it does
You'll just do it all again

And on the radio
You hear November Rain
That solo's awful long
But it's a good refrain
You listen to it twice
'Cause the DJ is asleep
On the radio
(oh oh oh)
On the radio
On the radio - uh oh
On the radio - uh oh
On the radio - uh oh
On the radio



* * *

Para Joana,
e para dois Pedros.

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